domingo, 3 de outubro de 2010

O caso do Parque

Carlinhos vive em Chelas. Foi criado com a avó, porque a mãe não tinha tempo. Completou o 9.º ano e depois saiu da escola. Mas nunca trabalhou. "A minha família nunca me deu nada. Agora posso fazer a vida que eu quero." Os carros passam para cima e para baixo, cada vez em maior número. Na sua maioria são grandes, de gama alta, com um homem sozinho. "Já há dois anos que venho para aqui. Vim porque amigos meus me trouxeram. Eu via como eles ganhavam dinheiro, como falavam de telemóveis e motos, e também quis."

Os carros páram, para falar com os jovens, que não são mais de uma dúzia, de ambos os lados da rua. A procura em clara desproporção com a oferta. "Vou por 80 euros. Oral ou anal, 20 minutos, no carro. Às vezes dão presentes."

Os jovens que se prostituem aqui aparentam quase todos mais de 18 anos. Mas há alguns de 13 e 14, garante o Carlinhos. São do bairro dele e de zonas semelhantes. Alguns estão em instituições. Da Casa Pia e outras, acrescenta.

"Desde que começou a ser falado na televisão, isso diminuiu muito", diz Sérgio, referindo-se à prostituição de rua de alunos da Casa Pia. "Mas agora voltou. Há clientes, não há? Enquanto houver o negócio não pára."

Carlinhos diz que faz uma média de cinco clientes por dia. Aos fins-de-semana pode chegar aos 15. "Não quero ter uma vida triste. Nem andar a roubar. Prefiro estar aqui, onde me dão valor pelo que eu sou. Tenho amigos, sei que nunca terei problemas."

Não vem todos os dias. Mesmo assim, faz mais de três mil euros por mês. Sem contar com as festas. Aí o cachet vai aos 300 euros, fora as "lembranças". Decorrem em casas particulares, geralmente na zona de Évora. "Bebemos, dançamos, depois cada um dos senhores pega num rapaz e leva-o para um quarto. Mas é tratamento VIP. Não nos falta nada."

O problema com as festas são os intermediários. Os contactos são muitas vezes feitos por angariadores, proxenetas que organizam tudo e ficam com uma grossa comissão. São eles que sabem das festas e que promovem encontros em hotéis. "Não gosto disso", diz Carlinhos. "Trabalho por conta própria. Não preciso de ninguém a controlar a minha vida."

Gere sozinho o negócio. "Perigoso? Não. Eu sei o que faço. Quanto menos confiança, melhor. Não quero saber os nomes deles, nem que eles saibam o meu. Nunca combinamos nada. Acontece no momento. Aparecem, chegamos a acordo, fazemos o que tem de ser feito, ciao."

Carlinhos tem namorada, que não sabe que ele está aqui. Diz à avó que vai dormir a casa da mãe e a esta que fica com a avó. Nem uma nem outra alguma vez se preocupou em saber se era verdade. "Quanto menos pessoas souberem, melhor", diz ele.No futuro, quer ir para o estrangeiro. "Isto não é vida para mim", diz, pensativo, olhando as sapatilhas Puma que tem nos pés. "O meu sonho é comprar um Porsche. Um Carrera branco. E ir para a Suíça. Quero ter uma vida a sério. Não quero acabar como esses." Aponta para os carros familiares que planam sobre o parque, como rapinas.

Lá dentro vão rostos alheados e hostis, fingindo não olhar para o lado, como se a rua tivesse saída para algum lado. Ou cabeças grisalhas espreitando pelas janelas, olhos semicerrados de avidez, desprezo e medo, procurando a presa como se vasculhassem os despojos de uma catástrofe.

"São pessoas tristes. Têm tudo e não estão satisfeitos. Metem-me muita pena", diz o Carlinhos, fazendo voz de homem. "Eu posso ir com estes senhores, para comprar um Porsche, mas nunca serei como eles."

(Sérgio e Carlinhos são nomes fictícios. O diminutivo não)
Picado daqui:
http://www.publico.pt/Sociedade/prostituicao-de-menores-e-o-ultimo-acto-das-longas-noites-do-parque_1454158?all=1
1996:
Uma brigada da PJ, chefiada por Ana Paula, descobre criminalidade pedófila, no Parque Eduardo VII e nos Jerónimos, com envolvimento, preponderante, de alunos da Casa Pia, de várias idades. A actual coordenadora de investigação criminal, Rosa Mota, tentou parar a investigação, dizendo, a Ana Paula, que era uma questão “muito perigosa”. Esta, no entanto, continuou; e organizou um ficheiro dos miúdos. Repare-se que, neste ano, já Pedro Strecht “acompanhava” os alunos da Casa Pia. Os miúdos mostraram casas no Restelo, Cascais e Coruche. Um deputado europeu foi apanhado em flagrante. Ana Paula recebeu “ordens” para “esquecer o sujeito”. Não obedeceu totalmente e, como consequência, os elementos que trabalhavam com ela foram perseguidos, acabando por pedir transferência. Mesmo assim, Ana Paula ainda descobriu muito, de muitas figuras, e também filmes domésticos. Foi afastada da Brigada e “posta na prateleira”.
Quatro ou cinco anos mais tarde, (no início deste século, portanto) foi “apertada” pelo Dr. Rui Pereira, Director do SIS, e pelo chefe Basílio, também do SIS, que queriam “informações” sobre o caso dos miúdos. Basílio queria elaborar um dossier que estabelecesse a ligação entre políticos do PS, figuras ligadas a esse partido, e a homossexualidade. Ele, e colaboradores, andaram a entrevistar miúdos e adolescentes, nas zonas de prostituição masculina e nas cadeias. Chegavam a mostrar fotografias. Depois deste “aperto”, Ana Paula pediu a transferência para o terrorismo.
Este ficheiro desapareceu.

Portanto já é conhecido desde pelo menos 1996 que há crianças da Casa Pia a prostituir-se no Parque

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